O Xadrez da FIFA - Como o sorteio protegeu a Europa no Mundial de Clubes
- Igor Schulenburg

- Jun 14
- 5 min read
Quando o acaso não é tão casual assim
Há momentos na história do futebol em que uma cerimônia de sorteio revela muito mais do que simples coincidências. O sorteio do primeiro Mundial de Clubes da FIFA em sua versão expandida, realizado em Miami no dia 5 de dezembro de 2024, foi um desses momentos. Por trás das bolinhas douradas e dos sorrisos diplomáticos, emergiu um sistema cuidadosamente arquitetado que, na prática, pode garantir uma hegemonia europeia inédita nas fases decisivas da competição.

A tese é simples, mas reveladora: a FIFA criou mecanismos no sorteio que favorecem sistematicamente os clubes europeus, especialmente aqueles considerados "grandes potências", enquanto coloca obstáculos estratégicos no caminho dos sul-americanos. Não se trata de conspiração, mas de uma engenharia regulamentar que protege os interesses da UEFA e maximiza as chances de uma final inteiramente europeia.
A arquitetura do favoritismo
O primeiro indício dessa estratégia está na própria formação dos potes. Enquanto a América do Sul conseguiu apenas 6 vagas no torneio (4 brasileiros, River Plate e Boca Juniors), a Europa garantiu 12 representantes — exatamente o dobro. Mas a disparidade numérica é apenas o começo da história.
O verdadeiro golpe de mestre está no direcionamento estratégico dos confrontos. A FIFA estabeleceu uma regra aparentemente neutra, mas de consequências claras: os quatro melhores europeus do pote 1 (Manchester City, Real Madrid, Bayern de Munique e Paris Saint-Germain) foram posicionados de forma que só podem enfrentar os quatro melhores sul-americanos (Flamengo, Palmeiras, River Plate e Fluminense) em uma eventual semifinal.
Paralelamente, os europeus "menores" do pote 2 — Chelsea, Borussia Dortmund, Inter de Milão e Porto — foram direcionados obrigatoriamente para os grupos dos sul-americanos cabeças de chave. É como se a FIFA tivesse dito: "Os gigantes europeus ficam protegidos, mas vamos testar se os brasileiros e argentinos realmente merecem estar nas quartas de final".
O sistema de proteção mútua
A genialidade do sistema está na sua aparente imparcialidade. Oficialmente, a FIFA justifica essas regras como necessárias para "garantir equilíbrio competitivo e diversidade geográfica. Na prática, criou-se um mecanismo de proteção mútua entre os gigantes europeus.

Vejamos os números: Manchester City e Real Madrid, considerados os dois maiores favoritos ao título, foram colocados em caminhos opostos do chaveamento. O mesmo aconteceu com Bayern de Munique e PSG. Resultado? Se todos os favoritos europeus avançarem como primeiros de seus grupos, eles só podem se eliminar mutuamente nas semifinais, garantindo pelo menos um europeu na final.
Enquanto isso, os brasileiros enfrentam um cenário bem diferente. Flamengo pega o Chelsea, Palmeiras enfrenta o Porto, e Fluminense duela com o Borussia Dortmund — todos já na fase de grupos. O Botafogo, por não ser cabeça de chave, foi "presenteado" com dois europeus no mesmo grupo: PSG e Atlético de Madrid.
A matemática do favorecimento

Os números revelam a extensão dessa estratégia. Com 12 europeus no torneio, a FIFA garantiu que pelo menos 4 grupos tenham dois representantes do Velho Continente. Isso significa que, matematicamente, os europeus têm mais chances de classificação para as oitavas de final do que qualquer outra confederação.
Se considerarmos que os 4 gigantes europeus do pote 1 estão virtualmente garantidos nas oitavas (por enfrentarem apenas um europeu cada), e que os demais 8 europeus disputam as outras 4 vagas diretas mais as 8 vagas de segundo colocado, temos um cenário onde 10 dos 16 classificados para as oitavas podem ser europeus.
Nas quartas de final, se esse cenário se confirmar, teríamos 8 europeus entre os 8 classificados — exatamente o que a manchete deste texto sugere como objetivo da FIFA.
A resposta Sul-Americana
Não é à toa que os brasileiros chegam ao torneio com um discurso combativo. O Flamengo, por exemplo, montou uma delegação de 78 pessoas e levou mais de 3 toneladas de equipamentos para os Estados Unidos, demonstrando que leva a competição com máxima seriedade17. É uma resposta à altura: se a FIFA quer testar a força sul-americana, que venham preparados para a guerra.
O Palmeiras, tricampeão da Libertadores e cabeça de chave no Grupo A, terá pela frente o Porto em um duelo que pode definir não apenas a liderança do grupo, mas também enviar um recado para a Europa. O mesmo vale para o Fluminense contra o Borussia Dortmund e o Flamengo diante do Chelsea.
O sacrifício programado
O caso do Botafogo é emblemático da estratégia da FIFA. O atual campeão da Libertadores, que conquistou o título de forma invicta, foi colocado no pote 3 devido ao sistema de ranking que considera apenas os últimos 4 anos. O resultado? O Glorioso enfrentará PSG e Atlético de Madrid no mesmo grupo, uma missão quase impossível para qualquer clube do mundo.
É como se a FIFA tivesse dito: "Tudo bem, vocês podem ter 4 brasileiros no torneio, mas pelo menos um será sacrificado logo na fase de grupos". A matemática é cruel, mas reveladora das intenções por trás do sorteio.
O precedente perigoso

O que está em jogo no Mundial de Clubes de 2025 vai muito além de uma simples competição esportiva. A FIFA está testando um modelo que pode se tornar padrão para as próximas edições, criando um precedente onde a "proteção" dos grandes mercados europeus se torna norma.
Se os europeus realmente dominarem as quartas de final como o sistema sugere, a FIFA terá a justificativa perfeita para manter (ou até intensificar) esses mecanismos nas próximas edições. Afinal, "os números não mentem" — ainda que tenham sido cuidadosamente direcionados para isso.
A resistência Rubro-Negra
Para o torcedor do Flamengo, esse cenário representa tanto um desafio quanto uma oportunidade histórica. O Mengão tem a chance de quebrar o sistema, de provar que a qualidade técnica e a raça sul-americana ainda podem superar as manobras políticas da FIFA.
O confronto contra o Chelsea, no dia 20 de junho, às 15h, na Filadélfia, será muito mais do que um jogo de futebol. Será o momento de mostrar que o futebol ainda pode ser maior que a política, que a paixão rubro-negra pode superar qualquer algoritmo de favorecimento.
Conclusão: O jogo antes do jogo
O Mundial de Clubes de 2025 começou muito antes da primeira bola rolar. Começou no sorteio de dezembro, quando a FIFA mostrou suas cartas e revelou suas intenções. A pergunta que fica é: os sul-americanos conseguirão quebrar esse sistema, ou a Europa celebrará o sucesso de sua estratégia geopolítica?

Para o futebol brasileiro, especialmente para o Flamengo, a resposta está nos gramados dos Estados Unidos. É hora de mostrar que, por mais engenhosa que seja a engenharia da FIFA, a magia do futebol ainda pode surpreender. E, quem sabe, transformar o que parecia ser uma armadilha europeia em uma consagração sul-americana.
Que venham os europeus. O Mengão está pronto para a guerra.




















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