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Flamengo e Espérance: Quando o inesperado se torna história

  • Writer: Igor Schulenburg
    Igor Schulenburg
  • Jun 14
  • 4 min read

Especial do PodFlah
Especial do PodFlah

Há 32 anos, o Flamengo vivia um dos seus períodos mais intensos e contraditórios. Campeão brasileiro em 1992, o clube do coração do Rio de Janeiro mergulhava, em 1993, numa crise profunda — financeira, esportiva e até mesmo de identidade. O time que encantara o país com talento, raça e jeito rubro-negro de jogar precisava, mais do que nunca, de solução para seus problemas e de um pouco de sorte.


O cenário era de desmanche. O elenco, antes repleto de estrelas, perdia peças importantes a cada semana. Wilson Gottardo, um dos esteios da defesa, foi para o Marítimo de Portugal; Uidemar, volante de marcação cerrada, rumou ao León, do México; Gaúcho, atacante habilidoso, trocou o Flamengo pelo Lecce, na Itália; Djalminha, meia criativo, foi parar no Guarani; e Andrei e Nilson, recém-chegados, pularam o muro e foram para o arquirrival Fluminense. O Flamengo, que já tinha conquistado o Brasil, agora perdia seus jogadores para o mercado internacional e até para o vizinho.


A crise esportiva acompanhava a financeira. O time, campeão brasileiro, fez um primeiro semestre terrível: não venceu nenhum dos turnos do Carioca, ficou fora das finais, foi eliminado pelo São Paulo nas quartas da Libertadores, caiu para o Grêmio na semifinal da Copa do Brasil e nem sequer passou da primeira fase do Rio-São Paulo. O resultado? Um agosto sem jogos oficiais, mas com uma oportunidade inusitada: uma excursão pela Europa, com um roteiro que, no fim das contas, incluiria a África.


Reprodução do Jornal O Globo
Reprodução do Jornal O Globo

A excursão foi planejada para tentar equilibrar as contas e dar um fôlego ao caixa do clube. A diretoria, liderada por Luiz Augusto Veloso — o mais jovem presidente da história do Flamengo —, apostou numa parceria com a empresa do Pelé, a Pelé Sports & Marketing, que injetou US$ 300 mil no clube, em troca do direito de explorar sua imagem. O dinheiro ajudou, mas não resolveu todos os problemas. A saída foi buscar receita com amistosos no exterior.


Foi nesse contexto que surgiu o convite inesperado: um amistoso na Tunísia, contra o Espérance, o time mais popular do país. O convite veio de última hora, quando a delegação já estava na Europa, concentrada em Roma, numa base que já havia hospedado a seleção alemã na Copa do Mundo de 1990. O presidente Veloso, ao chegar à Bélgica, foi surpreendido com a proposta: “Presidente, tem uma alternativa, uma oportunidade aqui, que está sendo trazida pelo Lucidio, que era fazer um amistoso na Tunísia contra o maior time do país”, explicou Isaías Tinoco, ex-gerente de futebol do Flamengo. A logística era favorável: de Roma a Tunis, de avião, eram apenas 1h20 de voo. O jogo foi marcado rapidamente.


Acervo da Internet, retirado de um blog de um torcedor Tunisiano
Acervo da Internet, retirado de um blog de um torcedor Tunisiano

Era o momento de despedida do ídolo Júnior, que já havia anunciado sua aposentadoria e disputaria seus últimos jogos com a camisa rubro-negra. Ao mesmo tempo, o Flamengo apostava na chegada de Casagrande, atacante experiente que estava na Europa havia sete temporadas e trazia expectativa de reforçar o ataque. A viagem seria, também, uma chance de entrosar o novo reforço com o grupo.

No sábado, a delegação viajou para a Tunísia. No domingo, enfrentou o Espérance em um jogo à tarde, sob um sol escaldante, em um estádio lotado de torcedores locais. A partida não foi transmitida para o Brasil, mas ficou registrada na memória dos que estiveram lá e dos poucos que acompanharam pela Rádio Tropical, única emissora brasileira presente. O gol do Flamengo saiu logo no início, com Marcelinho Carioca, em lance de puro talento. O placar, 1 a 0, foi justo, mas o Espérance teve dois gols anulados, um de Atadi, camisa 10 da casa, e outro de Júnior Baiano, em lance curioso que gerou confusão.



A escalação do Flamengo naquele dia contava com nomes como Adriano, Fábio Baiano, Júnior Baiano, Rogério, Piá (Júnior), Fabinho, Marquinhos, Luís Antônio, Marcelinho Carioca (Índio), Néio (Magno) e Casagrande. Era um time misto, com veteranos e jovens, tentando se encontrar em meio à turbulência.

A excursão europeia — e africana — do Flamengo foi longa e intensa. Além do Espérance, o clube enfrentou times como Bruges (Bélgica), Genoa, Milan, Napoli, Nacional de Portugal, União de Leiria, Sporting, Zaragoza, Inter de Milão, Piacenza, Reggiana, Atlético de Bilbao e Sevilla. Foram 14 jogos em pouco mais de um mês, uma verdadeira maratona que testou o físico e o psicológico do grupo.

Agora, em 2025, Flamengo e Espérance se reencontram na Copa do Mundo de Clubes da FIFA, nos Estados Unidos. O duelo, que parecia ser apenas mais um jogo, ganha contornos de história. É o reencontro de dois clubes que, há mais de três décadas, cruzaram seus caminhos de forma inesperada, em um capítulo pouco lembrado, mas cheio de significado.


Reprodução do jornal O Globo
Reprodução do jornal O Globo

Mais do que um simples amistoso, aquele jogo na Tunísia foi um símbolo da resistência rubro-negra. Mesmo em crise, o Flamengo nunca deixou de lutar, de buscar vitórias e de escrever sua história, seja na Europa, na África ou onde quer que a bola role. E é essa capacidade de se reinventar, de superar adversidades e de transformar o inesperado em glória que faz do Flamengo um clube único, capaz de emocionar e surpreender, geração após geração.


Agora, a bola está rolando de novo. E, como sempre, o Flamengo segue em busca de mais um capítulo inesquecível. Que venha o Espérance — e que o Mengão escreva mais uma página de sua trajetória.

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